Por décadas, a Coreia do Norte é
vista como uma das sociedades mais fechadas do mundo. Pelo estilo mão de ferro
- muitas vezes bizarro - de seus líderes e comportamento beligerante, o país é
constante alvo de críticas e troça, mas também motivo de grande preocupação
entre os vizinhos.
E por agir muitas vezes em
desrespeito a normas internacionais, pela ambição desenfreada em se transformar
potência nuclear, pelo obsessivo culto à personalidade de seus líderes e pela
opressão que impõe a seus cidadãos, ele é comumente visto como - e chamado de -
"nação pária".
Justamente por seu comportamento
avesso a regras internacionais, o país tem sido alvo de sanções da comunidade
internacional.
Ainda assim, nenhum dos líderes
da dinastia Kim, que governa o país desde sua fundação, parece ter se
intimidado pelo isolamento e por ameaças, nem mesmo as dos Estados Unidos.
A BBC lista seis possíveis pontos
para explicar por que a Coreia, com 24 milhões de habitantes, se transformou
num país pária e antagônico no atual contexto mundial.
Kim Jong-un comanda a Coreia do
Norte (Foto: REUTERS/Damir Sagolj) Kim Jong-un comanda a Coreia do Norte (Foto:
REUTERS/Damir Sagolj)
Kim Jong-un comanda a Coreia do Norte
(Foto: REUTERS/Damir Sagolj)
1 - Como surgiu a República
Popular Democrática da Coreia?
O país surgiu como tal em 1948,
em meio ao caos que se seguiu na região após a derrota do Japão na Segunda
Guerra Mundial (1943-1945). Desde 1905, a península coreana esteve sob o
controle dos japoneses. Mas, com o fim da guerra, Estados Unidos e União
Soviética acordaram que aquele território deveria ser ocupado pelos dois
países.
"Os EUA traçaram uma linha
ao longo do Paralelo 38 para decidir o destino da península e foi acordado em
dividi-la em dois. A parte norte seria ocupada pelas forças soviéticas e a
parte sul pelos norte-americanos", conta James Hoare, ex-diplomata
britânico, que foi o responsável por estabelecer a primeira embaixada do Reino
Unido em Pyongyang.
Assim, os soviéticos reconheceram
a República Popular Democrática da Coreia como um governo comunista liderado
por Kim Il-sung, o primeiro "grande líder" norte-coreano. Em 1950,
com a crescente tensão entre os EUA e a União Soviética, sul e norte travaram
uma guerra que durou três anos e aprofundou ainda mais a divisão e a tensão na
região.
"Durante a guerra, os EUA
tinham o controle de praticamente todo o espaço aéreo da Coreia do Norte e
comandaram bombardeios em massa que destruíram grande parte do país, matando
muita gente", observa Hoare, hoje especialista em Coreia na Chatham House,
centro de estudos de assuntos internacionais baseado em Londres.
Segundo Hoare, até hoje, esses
ataques são lembrados na Coreia do Norte. "[Os ataques] são ensinados às
crianças na escola como parte da propaganda de governo".
Crianças andam de patins na Praça
Kim il-Sung, em frente à Grande Casa de Estudos do Povo, em Pyongyang, Coreia
do Norte (Foto: Ed Jones/AFP) Crianças andam de patins na Praça Kim il-Sung, em
frente à Grande Casa de Estudos do Povo, em Pyongyang, Coreia do Norte (Foto:
Ed Jones/AFP)
Crianças andam de patins na Praça
Kim il-Sung, em frente à Grande Casa de Estudos do Povo, em Pyongyang, Coreia
do Norte (Foto: Ed Jones/AFP)
2 - Como começou a tensão entre
as duas Coreias?
A guerra da Coreia é considerada
por muitos como o primeiro confronto armado da Guerra Fria, derivado da tensão
ideológica, política e militar entre as duas superpotências da época: EUA e
União Soviética.
Apesar de esforços pela
reunificação da península, o destino das duas Coreias foi selado por essas
diferenças.
Tecnicamente, Coreia do Sul e do
Norte ainda estão em guerra e o clima entre os vizinhos é de tensão permanente.
"A Coreia do Norte é uma
sociedade com uma mentalidade de assédio permanente", disse, ao Huffington
Post, Charles Armstrong, diretor do centro de pesquisa da Coreia da
Universidade da Columbia, nos EUA. "O país tem vivido sob uma ameaça constante
desde a guerra de 1950", completa.
O primeiro líder norte-coreano,
Kim Il-sung, avô do atual mandatário, Kim Jong-un, deu forma a uma dinastia que
tem como base um rígido sistema de governo totalitário no qual os cidadãos não
têm liberdade para sair do país e têm acesso restrito ao que acontece no resto
do mundo.
Décadas de uma economia
centralizada fizeram com que a Coreia do Norte fosse um dos países mais pobres
do mundo. O país responde ainda a acusações de graves violações de direitos
humanos. Mas o que mais assusta a comunidade internacional é a ambição dos
norte-coreanos de se converterem em potência nuclear.
Homenagem ao fundador da Coreia
do Norte (Foto: KRT via AP) Homenagem ao fundador da Coreia do Norte (Foto: KRT
via AP)
Homenagem ao fundador da Coreia
do Norte (Foto: KRT via AP)
3 - Como a Coreia do Norte
sobreviveu economicamente após a guerra?
"Praticamente desde 1970, a
Coreia do Norte vinha recebendo muita ajuda econômica da China, União Soviética
e países da Europa oriental", explica Hoare.
Antes, contudo, a Coreia do Norte
tinha uma situação econômica mais confortável. "Tinha uma base industrial
altamente desenvolvida, que começou no regime japonês; se considerava que o
norte era mais rico que o sul", completa Hoare.
Durante essa época, para se
destacar ainda mais sobre os vizinhos do sul, a Coreia do Norte se dedicou a
conquistar reconhecimento da comunidade internacional.
Foi um ativo membro do Movimento
de Países Não-Alinhados e parte de sua política externa se baseava em ampliar
relações diplomáticas ao redor do mundo.
No final de 1960, o crescimento
econômico do lado norte era maior que o do sul. Até o fim de 1970, o Produto
Interno Bruto per capta norte-coreano era igual ao do vizinho.
As coisas começaram a mudar
quando, precisando de fundos para modernizar a indústria, Pyongyang contraiu
volumosos empréstimos da comunidade internacional.
Depois, vieram a crise do
petróleo, em 1973, e a morte de Mao Tsé-Tung, na China, país aliado desde a
Guerra da Coreia.
No final de 1980, a economia começou
a estancar e quase entrou em colapso absoluto com a queda da União Soviética,
em 1991.
Líder Kim Jong-un (Foto:
KCNA/Reuters) Líder Kim Jong-un (Foto: KCNA/Reuters)
Líder Kim Jong-un (Foto:
KCNA/Reuters)
4 - Como surgiu o isolamento
norte-coreano?
Uma combinação de fatores, na
avaliação de especialistas, levou o país da crise - agravada com o fim da União
Soviética - até à situação de isolamento.
"A União Soviética entrou em
colapso e a Rússia disse: 'acabaram os preços camaradas para os amigos'. A
China, por sua vez, também se movimentava na direção do capitalismo de Estado,
e disse à Coreia: 'Sentimos muito, mas não vamos te subsidiar'", conta
James Hoare.
Um dos principais fundamentos do
governo de Kim Il-sung foi a ideologia de autossuficiência, chamada de
"Juche" - que em coreano significa "conjunto principal". É
uma diretriz implementada e perpetuada pelos Kim que se baseia em três pilares:
independência política, autossuficiência econômica e autonomia militar.
"Esta ideologia fez com que
a Coreia do Norte se transformasse num verdadeiro 'reino eremita' por causa do
enorme estigma que o 'Juche' coloca em relação às políticas de cooperação com
outras nações", escreveu Grace Lee numa revista acadêmica sobre o Leste
Asiático da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.
O governo usou o Juche para
justificar o isolamento contínuo do regime e o culto à personalidade de seus
líderes. Em paralelo, tem se dedicado a impulsionar sua autonomia militar.
Militares juram lealdade a Kim
Jong-un (Foto: Reuters) Militares juram lealdade a Kim Jong-un (Foto: Reuters)
Militares juram lealdade a Kim
Jong-un (Foto: Reuters)
5 - Foram as ambições nucleares
que levaram ao repúdio internacional?
Ainda durante os anos 1990, a
Coreia do Norte começou a sinalizar que estava desenvolvendo um programa
nuclear, o que provocou alarme em todo o mundo. Pyongyang, então, saiu do
tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares, assinado em 1968, e revelou ter
armas do tipo.
Em 2002, o então presidente dos
Estados Unidos, George W. Bush, incluiu a Coreia do Norte na lista de países do
"Eixo do Mal", expressão usada pelo então líder norte-americano no
contexto da chamada "luta contra o terror" após o 11 de Setembro de
2001.
Apesar das tentativas de
convencer Pyongyang a desistir do programa nuclear em troca de concessões
políticas e econômicas, os esforços não foram bem sucedidos. O país sofreu
duros golpes na sua economia com a imposição de sanções internacionais, como
medidas que restringiram a exportação de carvão, vital para o país.
"Houve um ponto em que os
Estados Unidos, durante os anos de Bill Clinton, consideraram aparentemente a
possibilidade de atacar as instalações nucleares norte-coreanas para
pressioná-la. Mas decidiu-se que os riscos eram grandes demais", avalia
Hoare.
Agora, o governo de Donald Trump
parece estar disposto a elevear a temperatura na relação com o país para tentar
dissuadi-lo de suas ambições nucleares.
Norte-coreanos lotam estádio em
Pyongyang para comemorar 60 anos do fim da Guerra da Coreia, em 2013 (Foto:
Kyodo/Reuters) Norte-coreanos lotam estádio em Pyongyang para comemorar 60 anos
do fim da Guerra da Coreia, em 2013 (Foto: Kyodo/Reuters)
Norte-coreanos lotam estádio em
Pyongyang para comemorar 60 anos do fim da Guerra da Coreia, em 2013 (Foto:
Kyodo/Reuters)
6 - A comunidade internacional
pode encontrar uma solução para "o problema" da Coreia do Norte?
Já se falou que é impossível
negociar com o atual líder norte coreano, Kim Jong-un - que foi chamado de
"irracional" pela nova embaixadadora dos EUA na ONU, Nikky Haley.
Mas especialistas concordam que
não é totalmente "irracional" produzir armas nucleares para se
proteger.
"Kim Jong-un não tem aliados
confiáveis capazes de garantir sua segurança", diz o professor John
Delury, da Universidade de Yonsei, em Seul. "Já está enfrentando uma
superpotência hostil (EUA) que, em anos recentes, tem invadido estados
soberanos ao redor do mundo e derrubado seus respectivos governos", avalia
o professor.
Para Delury, os norte-coreanos
aprenderam uma lição com a invasão dos EUA ao Iraque: basicamente, a de que se
Saddam Hussein tivesse armas nucleares, teria sobrevivido.
James Hoare concorda. Para ele,
não se pode dizer que uma dinastia que sobrevive há quase 70 anos é irracional.
"Até certo ponto, o
isolamento da Coreia do Norte tem sido autoimposto, mas também tem sido
influenciado pelas atitudes do Ocidente", observa Hoare. "Para os
Kim, e para a elite que o cerca, a sobrevivência tem sido o principal objetivo.
Eles viram o que aconteceu no Iraque, com Saddam Hussein, o que ocorreu na
Líbia, com Muammar Khadafi. E viram como as pessoas que formavam parte desses
sistemas perderam tudo", completa o especialista.
Os Estados Unidos têm aumentado a
pressão sobre a China para que os ajude a reduzir as tensões na região
asiática. Mas os chineses resistem a isolar ainda mais o vizinho.
"Francamente, é muito
difícil ver uma solução", diz Hoare.
"Talvez os Estados Unidos
devam aceitar que não conseguirão tudo o que desejam com a Coreia do Norte. Ou
optam pela alternativa, que é o conflito", opina o especialista britânico.
Ele diz ainda que os coreanos não
são "suicidas" e que sabem o que estão enfrentando. "Mas se estiverem
sob ameaça e sob ataque, tenho certeza que vão responder. Pensar sobre essa
alternativa é assustador"
Coreia do Norte
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