sexta-feira, 4 de julho de 2014

Orkuteiros aproveitam três últimos meses antes do fim

Pode até ser difícil acreditar, mas dez anos depois de sua criação e três meses antes da morte anunciada, ainda existe vida no Orkut. E olhe que algumas comunidades andam bombando mais que a sua timeline do Facebook, cheia de mensagens de autoajuda e selfies desinteressantes.
 
Geralmente, as comunidades mais ativas são ligadas a times de futebol, política, viagens e música. O CORREIO encontrou algumas delas, como você pode conferir no rodapé desta reportagem. E o CORREIO também encontrou alguns baianos entre esses usuários vintage, que não conseguiram desapegar de sua primeira rede social.
 
Nadson Santos diz que o Orkut é insubstituível, mas já criou uma comunidade do Vitória na VK, que é para onde os orkuteiros estão migrando (Foto: Robson Mendes)
 
Todos as manhãs, ao acordar, o estudante de economia Pablo Coutinho, de 17 anos, liga o computador e vai checar sua rede social preferida: o Orkut. Ele até tem Facebook, Instagram e Twitter, mas desde 2009, quando fez uma conta na rede social do turco Orkut  Büyükkökten, nunca mais conseguiu sair.
 
E fica triste quando se lembra que, a partir de 30 de setembro (O Google anunciou na segunda-feira que iria deletar o site, e na quinta-feira (3) enviou e-mails de despedida para os usuários), vai ter que aprender a viver sem a sorte do dia, sem os testmonials dos amigos, sem os scraps, sem o “só add com scrap”, o “não add desconhecidos” e o “leio e apago”; mas sobretudo sem as comunidades. 
 
É delas que Pablo e a maioria dos sobreviventes do Orkut mais vão sentir falta. Ele tem 36 comunidades em seu perfil, mas participa das discussões em  três, que são as que continuam ativas e não foram invadidas por publicações de spam: Esporte Clube Vitória, Cartola FC Bahia e Enem/Prouni/Sisu. 
 
“A do Vitória muita gente participa. A cada 40 minutos, mais ou menos, tem coisa nova.  A do Cartola é menor, mas mais ativa, e as discussões são em tempo real. Já a do Enem ajuda muito em época de prova”, descreve ele, que há um bom tempo não olha os scraps nem atualiza fotografias. 
 
As comunidades também são o que mantém o radialista Nadson Santos na rede social. O rapaz tem Orkut desde 2005 e também usa com afinco o fórum da comunidade do Vitória.  “Muita gente acha que sou louco quando eu digo que uso até hoje. Mas o debate pelo Orkut é muito melhor, a organização é melhor”, justifica.
 
Para ele, o Orkut é insubstituível, mas diante dos fatos resolveu se conformar e criar um novo perfil na VK, uma rede social russa para onde os órfãos do Orkut estão migrando. “Vi que não ia ter jeito de ressuscitar o Orkut, então criei a comunidade do Vitória lá no VK.  Se estourar, eu estou na frente. Já tem 104 membros”, comemora. 
 
Apesar de o Google ter sugerido a migração para o Google+, o VK caiu nas graças desses internautas por ter uma estrutura mais parecida com a do Orkut, com as comunidades e fóruns organizados. Disponível também em português, já foi invadido por cerca de 200 mil brasileiros e registrou um crescimento de 2.000% em apenas dois dias, segundo um porta-voz do próprio site.
 
Nostalgia  
 
Além dos orkuteiros tradicionais, tem a galera da nostalgia. Como num último suspiro, a rede social voltou às rodas de conversa nos últimos dias, provocando visitas ao site. Não foram poucos os que, quando leram as notícias sobre o fim da rede social, foram lá pra dar uma olhadinha em seus perfis, resgatar umas fotos e acabaram ficando mais um pouquinho. 
 
“Fui lá salvar minhas fotos, li meus depoimentos... aí deu uma saudade, e fui fuçar as comunidades, os perfis antigos dos meus amigos...”, conta a enfermeira Laís Andrade, que encontrou alguns fóruns ainda ativos e não conseguiu mais sair do Orkut. 
 
“Tentei até mandar uns scraps para alguns dos amigos que ainda tenho lá, mas ninguém respondeu. Acho que o povo fica mais nas comunidades mesmo”, conformou-se. Já a empresária Luciana Gabriela Garcia achou graça das relíquias que encontrou no  álbum de fotos. “Só atualizei até 2010, então tem muita coisa antiga. Meus sobrinhos pequenos, alguns amigos que já perdi o contato. Muitas pessoas que passam em sua vida e depois somem”.  
 
Ela garante que não mudou muito fisicamente em todo esse tempo e lembra que na época áurea do Orkut conversava com os amigos pelo chat, fuçava os perfis alheios e se divertia com o Buddy Poke (uma espécie de avatar em 3D que o usuário podia caracterizar como si próprio e interagir com os outros). 
 
Luciana só conseguiu fazer o login  porque havia colocado a mesma senha no Facebook. “Senão, eu não ia lembrar. Mas testei e entrou”. Ela não engrossa o coro dos saudosos e chorosos usuários inconformados com o fim da rede social. “Já passou o tempo dele, tem que acabar mesmo”.
 
Vida e morte  
 
Desde a sua criação, o Orkut acumulou uma série de acertos e erros, como observa o especialista em redes sociais Fábio Bito Teles, gerente de conteúdo da CasaDigital. O problema foi que, ao longo do tempo, os erros acabaram se sobressaindo mais que os acertos, e aí veio a decadência que culminou em seu fim. 
 
“O Orkut foi pioneiro em algumas coisas. Foi a primeira rede social dos brasileiros, e foi ele que colocou a integração com bate-papo, antes do Facebook”, lembra Teles, que também destaca as comunidades como o melhor que há no site de relacionamentos.
“O Facebook criou os grupos, mas  ainda não conseguiu destacar uma atuação igual às comunidades. A grande diferença é a organização do conteúdo. Na lógica da timeline, os assuntos ficam mais bagunçados que no Orkut. Lá, era muito mais organizado, estruturado. Você encontrava muito mais fácil os episódios de uma série, por exemplo”, comparou.
 
COMUNIDADES QUE AINDA BOMBAM 
 
Sem interação  
O sucesso das comunidades ele atribui ao fato de que a rede não tem um feed de notícias. Quem quisesse interagir tinha que mandar recados nas páginas dos amigos ou debater os diversos assuntos disponíveis nas comunidades. “No Facebook você fica parado, passivo, recebendo tudo”, explica   Fábio Bito Teles.
 
Sobre o fracasso, ele destaca dois pontos que o fizeram deixar de ser relevante já entre 2010 e 2011: “O primeiro foi que a invasão dos brasileiros  nas comunidades, falando em português, tirou o interesse dos usuários de língua inglesa, que eram o público alvo das marcas de grande porte que patrocinavam o Orkut”.
 
Por outro lado, Teles acredita que houve uma negligência do próprio Google, que acabou dando mais atenção para os outros segmentos de redes sociais e deixou o Orkut de lado. “A mudança de leiaute em 2012 foi tardia”, analisa.
 
Polêmica, a funcionalidade que permite a visualização dos bisbilhoteiros do perfil não é apontada por ele como um dos motivos do fim, assim como a massiva adesão das classes populares, apontada por muitos como um problema.
 
Engenheiro criador do Orkut tem perfil no concorrente Facebook
 
Quando o próprio criador de uma rede social acaba migrando para o site concorrente é sinal de que a coisa não vai mesmo bem. Em seu perfil no Facebook, o engenheiro de software turco Orkut Büyükkökten faz desabafos, divulga fotos com amigos e com a esposa, e até algumas imagens de sua estada em Salvador, no ano passado.
 
Büyükkökten não resistiu aos encantos da rede social de Zuckerberg
(Foto: Reprodução/Facebook)
 
Não é possível ver a quantidade de amigos, mas o criador do Orkut tem mais de 2 mil seguidores. Alguns deles apelam e comentam em suas fotos frases como “Volta, Orkut” e “sdds (saudades) Orkut”.  Em vão, porque ele nunca responde nada. Talvez não entenda português.
 
No Orkut, procuramos um perfil de seu criador e achamos vários, mas todos com cara de fake, de modo que é impossível afirmar se Büyükkökten saiu mesmo da rede social que criou em 22 de janeiro de 2004, como um projeto independente, enquanto estudava na universidade de Stanford, e trabalhava no Google.
 
“O sucesso com os brasileiros se deu porque sua criação foi no mesmo momento do crescente acesso da população à banda larga, ao computador. Uma ferramenta social chegando, junto com o país entrando na era digital”, explicou o especialista Fábio Bito Teles.
 
Até hoje, entre os remanescentes, os brasileiros ainda são maioria: 50,6% do total, segundo estatística do próprio site. Em segundo vêm os indianos: 20,44%. A faixa etária predominante hoje é dos 18 aos 25 anos (53,48%).

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O Catiripapu agradece a sua participação.