Na sexta-feira (19) a cúpula da polícia baiana convocou a mídia para anunciar a elucidação de dois crimes que, recentemente, chocaram a opinião pública. Um, pela notoriedade da vítima (o assalto e tentativa de homicídio sofridos pelo músico Paulo César Perrone, 32 anos, baterista da banda Estakazero); outro, pela brutalidade da ação (o estupro seguido de assassinato da jovem Adriane Mello, 16 anos). Perrone foi baleado na cabeça, em Salvador, no bairro do Caminho das Árvores, em 16 de julho; Adriane foi morta em Vila de Abrantes, distrito de Camaçari-BA, em 29 de junho.
O açodamento que caracteriza investigações desse tipo logo se manifestou. Cinco dias depois do ataque ao músico, a polícia apresentou José Hilton Santos, o Neguinho, e Fabrício Santos como os supostos autores do crime. Eles não são santos, como atestam seus antecedentes criminais e as circunstâncias em que foram presos. De acordo com informações oficiais, a dupla foi capturada logo depois de uma “saidinha bancária”, a mesma modalidade de assalto praticada contra Perrone. Os dois negaram envolvimento no caso, mas, como sempre acontece, logo apareceu uma “testemunha” que os colocava na cena do crime, mediante reconhecimento facial.
A roda do tempo girou, e, sabe-se lá através de que métodos de investigação, a polícia acabou chegando a Leonardo Bruno dos Santos Santana e Cássio Souza Alves. Os dois têm 26 anos e, ao que parece, são os verdadeiros autores do crime. Além de assumirem o ataque, mandaram um pedido de desculpas para a vítima. Talvez orientados pela defesa, tratam o desfecho da ação como uma espécie de acidente de trabalho: a intenção era “apenas” roubar e não causar danos físicos ao alvo. Bom, a menos que haja uma nova reviravolta, o caso está encerrado no âmbito policial. Agora, é com a Justiça.
Já o homicídio da garota Adriane, parece estar longe do desfecho, ao contrário do que a polícia quer fazer crer, com a apresentação do guarda municipal José Pereira da Conceição Júnior, 44, funcionário da Prefeitura de Lauro de Freitas. Sem dar mostras de ter aprendido a lição com inúmeras experiências mal-sucedidas, a equipe de investigação que atua no caso seguiu o conhecido caminho que leva a lugar algum: baseou suas suspeitas apenas em reconhecimento de testemunha. E quem é a testemunha-chave? O namorado da vítima, uma pessoa envolvida emocionalmente e, possivelmente, ansiosa por ver o culpado punido. Nessas circunstâncias, a emoção costuma se sobrepor à razão, embotando a percepção e comprometendo a capacidade de se fazer distinção entre realidade e imaginação. Se é que os fatos transcorreram exatamente como o rapaz contou aos investigadores.
E quais são mesmo as evidências que ligam o suposto autor ao crime? Bom, a julgar pelo que a polícia apresentou até o momento, o Ministério Público não deverá ter trabalho para concluir que não há caso. José Júnior foi preso porque a testemunha garante ser o autor um guarda municipal. A polícia diz que sua foto foi escolhida em meio a outras 60 imagens de GMs e que, no reconhecimento presencial (pelo chamado “espelho mágico”), o namorado de Adriane confirmou a impressão inicial. Simples, assim.
Não basta ‘achar’, é preciso provar
Não tão simples assim! Que motivo levou José Júnior a estuprar e matar a adolescente? Ele possui histórico de violência? Em sendo assim, como conseguiu se tornar um guarda municipal? Qual o seu álibi para o momento do crime? Quem é, afinal de contas, o cidadão José Pereira Conceição Júnior? Por enquanto, sabe-se quem ele não é. Ele não possui relevância social nem é um político influente. Seus protestos de inocência caíram no vácuo. Uma manifestação realizada por familiares e amigos, pobres e anônimos como ele, não obteve repercussão capaz de fazer a sociedade abrir olhos e ouvidos para o que pode ser uma injustiça.
Mas, admitamos que José Júnior tenha estuprado e assassinado Adriane. Não basta “achar”, é preciso provar. Do contrário, há o risco de o crime vir a entrar para o rol de casos não solucionados, devido a erros grosseiros na fase de investigação. Um exemplo emblemático desse procedimento é o até hoje não esclarecido duplo homicídio que teve como vítimas o acrobata Ricardo Matos dos Santos, 20 anos, ex-aluno da Escola Picolino de Artes Circenses, e o assaltante Robson de Souza Pinho, 19, o “Sapo”. Apontados como autores, os soldados da Polícia Militar Adilson José da Silva Souza, José Roberto dos Santos e Marco Antônio Carvalho Santa Bárbara, lotados na 39ª Companhia Independente (Imbuí/Boca do Rio), sofreram humilhações, foram execrados publicamente e ficaram presos por quase dois meses. Como provaram ser inocentes, foram liberados. A polícia silenciou sobre o assunto e os verdadeiros assassinos continuam impunes.
Diante disso, não dá para entender a queixa do secretário Maurício Barbosa, titular da Segurança Pública na Bahia, que, dias atrás, deixou escapar seu desconforto em relação ao descompasso que marca as relações entre polícia e Justiça. “Quando o crime acontece, a cobrança vem para a polícia. A gente prende, mas logo depois o criminoso é solto e volta cometer delitos”, desabafou, em entrevista a um jornal local. “O Poder Judiciário o Legislativo são parceiros, mas estes órgãos (sic) precisam rever a questão das prisões. A sensação que a gente tem é que estamos enxugando gelo”. Ora, secretário, será que se as investigações fossem bem amarradas, a Justiça encontraria alguma ponta solta para desatar os nós? Duvido!