segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

TRUPE DE CABO ENTREGA ÉDIPO ESPETACULAR QUE NÃO ESTAVA EM CENA


Por Rogério Borges

O pernambucano Luiz Navarro levou ontem (08.01.12) ao palco do Festival Nacional Ipitanga de Teatro (FIT), em Santo Amaro de Ipitanga, o que pode ter sido, na origem, um drama edipiano de primeira qualidade. Em algum ponto entre a criação e esta quarta encenação o espetáculo terá sido suavizado e transformado em tragédia amorosa.

Nem por isso o trabalho perdeu qualidade técnica, mas fica a sensação de que o conceito original foi sonegado à platéia. Personagens com potencial para mandar um recado poderoso revelam-se, ao fim e ao Cabo, mero trio às voltas com paixões, entretanto desperdiçando uma competente releitura de Édipo para o século 21.

“O rubro sangue sobre as folhas amarelecidas do outono” é produção assinada pela trupe Trupe Cara & Coragem, do Cabo de Santo Agostinho (PE), que venceu o prêmio do Juri Popular na edição anterior do FIT com “Entre a porta e a esquina”. A origem do trabalho de Luiz Navarro, também diretor, pode ser intuída logo na primeira cena, quando mãe e filho ajustam contas: ele que retorna a casa, ela casada com um desconhecido. O diálogo não deixa dúvidas sobre uma relação incestuosa – que será inexplicavelmente desmentida no desfecho.

A negação do Édipo desvaloriza e marginaliza a cena central da trama: não satisfeito em eliminar o padrasto, o garoto trata antes de seduzi-lo. Duas bem elaboradas sequências revelam a intenção de sublinhar primeiro um assassinato moral. Muito próximas do sensual, as cenas definem um garoto que manipula o desejo do padrasto para chegar a justificar o seu assassinato físico, não pela culpa produzida no algoz – também presente – mas pela via da rendição final ao desejo.

O nu, que teria emprestado notável peso à primeira cena, vai se tornando uma tradição do FIT pela ausência e não se pode debitar essa escolha a uma suposta suavização do espetáculo. Já numa segunda cena de idêntico conteúdo sensual, Navarro dá-se ao luxo de negar à platéia o beijo do par masculino, impondo em vez disso a inacreditável metáfora da maçã que ambos mordem.

Paralelamente, a trama do triângulo amoroso, que seria entregue ao final do espetáculo contra todas as expectativas, deixa a personagem feminina ao desabrigo. A atenção que a montagem dá ao par masculino ofusca definitivamente qualquer intenção de equipara-lo aos amores que ambos tenham por ela. O roteiro mostra-se incompatível com a tragédia romântica até mesmo na construção da personagem. Desejosa do marido, para conservá-lo em casa ela chega a propor que se entenda com o filho – numa perspectiva em que, desde o início, não caberia o suposto amante tomado de ciúmes.

A interpretação de Marcilio Moraes na pele do garoto, Gilson Paz na do marido e Belly Nascimento – a mãe que não o era – parece não sofrer com o roteiro, que flui bem, apesar dos refluxos. Fica apenas a necessidade de saber como estariam em palco se o Édipo fosse assumido.

O que deixa de fluir como poderia é a participação de Jaílson Vidigal, que narra trechos da história enquanto a datilografa. Isolado numa plataforma e enfiado num macacão cor-de-laranja, típico de um presidiário, o narrador explica ao público, ao fim, que é o próprio garoto, envelhecido e encarcerado pelos crimes que cometeu. Haveria a intenção de antecipar-lhe a identidade, até porque o crime de Édipo é conhecido. Conforme contou Luiz Navarro, em encenações anteriores a plataforma estava entre grades, que foram dispensadas – por dispensáveis.

De acordo com Navarro inspirada no universo do cineasta Pedro Almodovar, a peça quis abusar das cores nos figurinos e provavelmente da interpretação histriônica típica das obras do espanhol – metas que ficaram por alcançar, sem que a qualidade da produção tenha sido arranhada. O diretor explicaria depois que não há a intenção de homenagear Almodovar ou de lhe ser, de alguma forma, fiel, mas defendeu que a estética vai nesse sentido.

Ficou de fora, entretanto, o que de mais almodovariano poderia haver na montagem: um Édipo que seduz o padrasto.

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